terça-feira, 13 de outubro de 2009

Nem eles têm mais paciência - Após mais uma ação ilegal e violenta, o MST é criticado até por seus defensores dentro do governo Lula

Reportagem da "Veja"
Por LEANDRO LOYOLA E PAULO MOREIRA LEITE

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, sempre contou com a simpatia e o apoio do governo Lula. Além do apoio moral e da indicação de nomes simpáticos ao movimento para cargos na área agrária, o MST foi bem alimentado financeiramente. Entidades ligadas ao movimento receberam cerca de R$ 150 milhões em dinheiro público desde 2003. No mês passado, o governo evitou a criação de uma CPI na Câmara para investigar desvios e outras irregularidades nos gastos desse dinheiro pelas entidades sem-terra. Desde agosto, estava em curso também uma revisão nos critérios de produtividade das propriedades rurais, o que facilitaria as desapropriações de terra para a reforma agrária. Na semana passada, devido a uma ação violenta e descabida, o MST perdeu parte desse apoio e conseguiu um feito inédito: foi criticado pelo governo.
O apoio ao MST caiu quando foram divulgadas as imagens, feitas pela polícia, de um sem-terra usando um trator para destruir 7 mil pés de laranja na Fazenda Santo Henrique, do grupo Cutrale, um dos maiores produtores de laranja do mundo, em Borebi, São Paulo. “Retiramos os pés de laranja para garantir o plantio de feijão, porque ninguém vive só de laranja”, disse Claudete Pereira de Souza, coordenadora do movimento. “É uma imagem grotesca, injustificável sob qualquer ponto de vista”, afirmou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, ao comentar a cena do trator destruindo o laranjal. “O movimento tem errado muito, e espero que uma situação grotesca como essa o faça refletir sobre suas ações. Ele tem se isolado, tem perdido o apoio social.” Nem mesmo o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, sempre associado ao movimento, ficou ao lado do MST. “Minha reação foi de indignação. Não há razão para isso”, afirmou.
O que o ministro chamou de grotesco começou no dia 28 de setembro. Sob o argumento de que a propriedade está numa área da União, um contingente de 250 famílias do MST a invadiu. O Incra disputa as terras na Justiça, mas o processo não acabou. Os sem-terra só saíram da fazenda na quarta-feira passada, após uma ordem judicial, sob a escolta de 120 policiais. De acordo com a polícia e os administradores da fazenda, o saldo de nove dias de ocupação foi de devastação.
Os sem-terra são acusados de roubar defensivos agrícolas e cerca de 15.000 litros de óleo diesel. Depois de trabalhar na roça arrancando pés de laranja, eles também eliminaram os tratores: 28 veículos foram depenados; dois deles, completamente destruídos. Os sem-terra, de acordo com a polícia, puseram areia no tanque de um dos tratores e deram a partida para fundir o motor. Quatro caminhões foram danificados. Foram saqueadas oito das nove casas de funcionários da fazenda. De uma delas, foram levados materiais sem relação nenhuma com a causa da reforma agrária, como um aparelho de DVD, televisão, rádio, roupas, calçados, ferro de passar roupa, chuveiro e até lâmpadas e torneiras. Os prejuízos foram calculados pela Cutrale em R$ 3 milhões.
Ao contrário de episódios anteriores, em que foi afagado pelo governo, desta vez o MST pode pagar politicamente. O governo vai esfriar um pouco o ímpeto de atualizar os índices de produtividade, usados para determinar se uma propriedade pode ser destinada à reforma agrária. Em agosto, o presidente Lula prometeu rever os índices, estabelecidos em 1975. A medida, rechaçada por entidades e pelos ruralistas no Congresso, tornaria mais fácil desapropriar terras para a reforma agrária. No novo contexto, ficou difícil defendê-la. “(Isso) Atrapalha (a atualização). É o legítimo tiro no pé. Uma ação que parece alienada em relação à realidade. É difícil encontrar um adjetivo”, diz o ministro Cassel. O MST afirma que Cassel e Hackbart estão errados ao tomar partido contra o movimento. “Eles são irresponsáveis”, diz Paulo Albuquerque, um dos líderes do MST no Estado de São Paulo. “Se fossem sérios, defenderiam a retomada da área.”
Albuquerque tem uma visão peculiar do que aconteceu. Ele afirma que existe uma grande conspiração política nacional para colar no MST a imagem de movimento criminoso. As acusações de roubo e depredações na fazenda teriam sido, segundo ele, forjadas pela própria Cutrale para pôr a culpa nos sem-terra. “As peças dos tratores, que eles mostraram, estavam num galpão. Não fomos nós que arrancamos dos tratores”, diz Albuquerque. Ele diz também que, ao contrário do que afirmam os funcionários da fazenda, os sem-terra não roubaram nada. “Nós demos tempo para eles fazerem a mudança, tirar as coisas das casas antes da ocupação”, diz. Segundo Albuquerque, os próprios funcionários da fazenda teriam tirado seus eletrodomésticos e, mais tarde, orientados pelos “patrões”, teriam acusado os sem-terra de roubo. Tudo não teria passado, na verdade, de uma ardilosa encenação armada pela “grande empresa monocultora” para enfraquecer um “movimento popular”. Segundo ele, o ministro Cassel e seu colega Hackbart teriam se deixado levar pela encenação e pelas pressões políticas que tentam “criminalizar” o MST.
O ministro Cassel não acredita nisso. “O MST não soube acompanhar a transformação pela qual o país passou nos últimos anos”, diz Cassel. Para ele, o MST passa por uma fase de esvaziamento. Em 2003, havia 200 mil pessoas em seus acampamentos. Hoje, são cerca de 50 mil. Boa parte da redução se explica pela distribuição de benefícios como o Bolsa Família e pelo bom momento econômico, que criou oportunidades e empregos para aqueles que buscavam refúgio nas barracas do MST. Outra explicação é que, desde 2003, foram entregues 43 milhões de hectares de terra para lavoura e cultivo.
O efeito político do benefício econômico foi o esvaziamento do discurso de uma organização baseada na produção de confrontos com o governo, para tentar promover uma revolução no país. Hoje, o MST reúne uma massa de cidadãos miseráveis, sem rumo na vida, e dirigentes que se converteram em profissionais de ocupações e de violência. A organização sempre foi capaz de atos radicais. Em 2006, uma dissidência do MST promoveu uma baderna histórica no Congresso Nacional, quebrando vidraças e ameaçando parlamentares. O MST já invadiu uma fazenda da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e destruiu experimentos científicos, sob o pretexto de que ali se cultivavam vegetais transgênicos. No início do ano, militantes do MST foram presos, acusados de perseguir e chacinar quatro seguranças de uma fazenda em São Joaquim do Monte, Pernambuco.
Eventos como esses, que podem ser definidos como crime e banditismo, não expressam nenhum tipo de ação política, nem mesmo extremista. São apenas atos de desespero, típicos de organizações sem bases sociais reais. O governo Lula encara o MST com frieza. Nas eleições, jamais dispensou seu apoio. Num momento em que se esforça para dar credibilidade e fazer decolar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, prefere guardar distância dos crimes praticados pelo MST.

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