quinta-feira, 8 de outubro de 2009

"5 mil pés de laranja valem mais que milhares de vidas!"

Retirado do site do MST
Por Eduardo Camilo

Em novembro de 2004, quando militava no coletivo de Direitos Humanos do MST-SP e advogava no Centro de Direitos Humanos Evandro Lins e Silva, de Presidente Prudente, fui até a cidade de Iaras numa ocupação semelhante à que ocorre agora na cidade de Borebi.
Não era uma fazenda da Cutrale, mas a propriedade se dizia produtiva. Na ação, alguns trabalhaores rurais Sem Terra foram levados à delegacia para "averiguação" e eu me desloquei de Pirajuí, onde estava passando o final de semana com a família, para a delegacia de Iaras - onde pude realizar a soltura dos companheiros que se encontravam detidos.
Da delegacia rumamos para a fazenda, ocupada por cerca de 500 famílias. O cerco policial era grande e tentaram impedir minha entrada, porém fui liberado após uma longa negociação. Ao amanhecer do dia, cerca de 250 policiais da cavalaria e tropa de choque estavam no local pra realizar a desocupação da área (hoje isso se repete na fazenda de Borebi: PM chega à fazenda invadida por MST para cumprir reintegração de posse). Após um dia inteiro de negociações, conseguimos deixar a fazenda sem violência por parte da PM, mas depois de várias ameaças de prisão e do uso da força.
A região de Iaras, assim como a região de Araçatuba (ambas no interior de SP) é uma área de terras devolutas federais que, ao longo do tempo, foram griladas por latifúndios e que hoje pertencem fraudulentamente a empresas do agronegócio - que produzem especialmente cana, laranja e criam gado extensivamente. Desta forma, a ocupação dessas terras pelo povo nada mais é do que uma retomada justa. Não cabe aqui o argumento da produtividade, já que a posse da área é ilegal, baseada em documentos que carecem de autenticidade e que estão sendo objeto de ações judiciais para anulação.
A mídia transformou a ação numa bandeira de luta contra o movimento. E por que? Por um trator ter derrubado pouco mais de 5 mil pés de laranja? Não! a mídia ataca os trabalhadores pois eles tiveram a coragem revolucionária de arrancar da terra o câncer da monucultua do agronegócio e substituí-lo pela vida representada pelas sementes de feijão e milho. O que dói na mídia e no setor dominante não são míseros 5 mil pés de laranja (só esta fazenda tem 1 milhão de pés), mas sim a constatação de que os trabalhores não caem mais no conto da carochinha do agronegócio, que paga salários de miséria, mata trabalhadores de cansaço e ainda expulsa os pequenos agircultores de suas áreas. Em São Paulo existe uma lei que permite à Cutrale e a outras empresas do ramo invadir a casa de qualquer cidadão para cortar os pés de laranja e limão que estes por ventura tenham em suas casas. Segundo a lei, isso é feito em nome de uma defesa fitosanitária contra o cancro cítrico, mas é apenas mais uma forma de expropriar o povo de suas riquezas de biodiversidade e alimentos.
A mídia se escandaliza com pés de laranja sendo cortados e não se cansa de passar o mesmo filme do trator no laranjal, porém não deu qualquer notícia de cinco segundos da violência que sofreu a comunidade Apykay, do povo Guarani Kaiowá, que vivia em um acampamento às margens da BR-483, próximo ao município de Dourados, Mato Grosso do Sul, quando jagunços armados queimaram as casas e feriram um indígena a tiros. O episódio só foi para a mídia quatro dias depois do ocorrido, por conta de uma denúncia colocada na rede mundial de computadores por uma ONG internacional - e mesmo assim, não mereceu qualquer destaque, apenas uma breve chamada.
O INCRA, que trava batalha judicial pela área, presta um desfavor à luta do povo quando condena a ocupação desligitimando a luta em nome de uma estabilidade social e do respeito à propriedade privada. Propriedade esta que não foi respeitada pelos grileiros quando plantaram 1 milhão dé pés de laranja em terras da União. Estabilidade social que mata, escraviza e mutila os trabalhadores da indústria de sucos do interior de São Paulo.
Arrancar pés de laranja para plantar comida não é crime, crime é deixar milhares de hectares de terras públicas na mão de grileiros que plantam para os gringos e para seus animais comerem enquanto nossa população morre de fome: fome de comida e fome de JUSTIÇA!

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