quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Na cidade em ruínas, violência e desespero

COM AS casas destruídas, moradores se amontoam para dormir no meio da rua. Acima, uma mulher desespera-se junto aos escombros de prédios destruídos pelo terremoto na capital haitiana
PORTO PRÍNCIPE. Um manto de fumaça cinza cobria parte de Porto Príncipe. Em meio à poeira e aos escombros, pessoas ainda cobertas de sangue berravam em desespero pelas ruas pedindo socorro. Outras vagavam com olhares perdidos, sem saber o que fazer e para onde ir depois de perderem parentes, a casa e os vizinhos. Praticamente não há hospitais intactos após o terremoto. O prédio da ONU e de muitos dos centros de ajuda humanitária - instalados no país após uma série de catástrofes já ocorridas no passado - também caíram ou estão comprometidos. Num cenário de devastação, muitos dos próprios socorristas também estão precisando de socorro.
- Visitei cinco centros médicos e a maioria não estava funcionando. Muitos estão danificados, e vi um enorme número de corpos. As pessoas estão reunidas do lado de fora, acendendo fogo nas ruas e tentando ajudar uns aos outros - contou pela internet Stefano Zannini, do Médicos Sem Fronteiras.
Nas praças públicas, milhares de pessoas cantavam hinos religiosos em busca de algum tipo de conforto. Enquanto isso, alguns familiares levantavam lençóis cobrindo pilhas de corpos em busca de parentes mortos.
- A cidade está destruída. A cena é de guerra, de bombardeio - relatou ao GLOBO por e-mail o brasileiro Flávio Saudade, capoeirista a serviço do Viva Rio, que estava em casa na hora do terremoto e viu casas da vizinhança irem abaixo. - Pelas ruas, há muita gente, correria, disparos. As pessoas estão disputando comida. Ainda há corpos pela rua, sob os destroços. Os mercados estão fechados. Não há como comprar comida.
No rastro da tragédia, autoridades enfrentaram ainda tumultos e violência nas ruas, e representantes do Viva Rio relatavam tiroteios. Segundo o assistente do secretário-geral das operações de paz na ONU, o americano Edmond Mulet, a Penitenciária Nacional também ruiu, e os detentos escaparam, o que aumentou o clima de insegurança e saques.
- Escutamos tiros aqui perto e soubemos que é a policia tentando impedir o saque completo do mercadinho onde fazíamos nossas compras e que desabou - contou a fotógrafa brasileira Cris Bierrenbach, parte de um grupo da Unicamp, via Facebook.
Ao GLOBO, o coordenador do Viva Rio no Haiti, Valmir Fachini, ressaltou o medo de balas perdidas.
- Nossa principal dificuldade neste momento é não poder ir da casa onde estamos, num lado da cidade, para o outro, porque estamos escutando muitos tiros e sair à rua seria extremamente perigoso - afirmou.
A embaixada brasileira também ficou comprometida. Funcionários estavam trabalhando quando o chão começou a tremer e o prédio a rachar. Ninguém ficou ferido, mas o prédio foi lacrado.
- Foi como se uma onda passasse pelos nossos pés, e tudo começou a tremer. Corremos para o meio da rua e durante mais ou menos um minuto, entre gritos e coisas caindo, ficamos perto uns dos outros. As pessoas começaram a levantar os braços gritando "Jesus" e "Bom Deus", um posto de gasolina explodiu na quadra ao lado e feridos apareciam aos montes, dentro e fora dos escombros - relatou Rodrigo Bulamah, estudante de antropologia da Unicamp, que fazia pesquisa de campo no Haiti.
A tragédia afetou ricos e pobres. Em Pétionville, distrito onde vivem muitos diplomatas e famílias abastadas, também havia casas e um hospital destruídos. Um centro do Médicos Sem Fronteiras também foi interditado e, com milhares de vítimas chegando, pacientes eram atendidos em tendas improvisadas. Mas muitos continuavam simplesmente esperando no chão, mesmo com membros esmagados.
Com o sistema de telefonia em colapso, a internet foi um a única forma de comunicação no Haiti. O rádio, principal meio de comunicação do país caribenho com altos índices de analfabetismo, saiu do ar e boa parte das informações da área da catástrofe era enviada, via internet, por estrangeiros em serviço na capital. Dezenas de comunidades em solidariedade ao Haiti surgiram nas redes de relacionamento. No Facebook, o grupo "O Haiti precisa de nós" já tinha mais de dez mil membros poucas horas após sua criação.

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