quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A droga que descobriu o Brasil

Correio Braziliense
Edson Luiz

Guayaramerín (Bolívia) — Com uma frequência cada vez maior, o silêncio da densa vegetação do Vale do Guaporé é quebrado pelo ronco de pequenos barcos ou pelo som agudo dos motores de aviões que cruzam rios e céu em direção ao Brasil. A extensa fronteira, que dificulta a fiscalização, torna o exuberante santuário ecológico em rota do narcotráfico. Por esse caminho, chegam ao país pequenas e grandes quantidades de cocaína vinda da Bolívia. Apenas este ano, em Rondônia, a Polícia Federal já apreendeu quase duas toneladas do pó — 500kg a mais em relação a 2008.
“De uma só vez apreendemos 800kg de cocaína”, conta o delegado Carlos Sanches, chefe da Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal em Rondônia. A droga foi jogada em uma área rural de Machadinho D’Oeste, no interior do estado, e seria recolhida por caminhões. O destino final era o Centro-Oeste e o Sudeste brasileiros. As aeronaves, segundo Sanches, voam em baixa altitude e retornam imediatamente à Bolívia depois de lançar o pó, para evitar os radares da Força Aérea Brasileira (FAB).
O pó, que, com algumas misturas, torna-se a pedra do crack consumida no Brasil, sai da região montanhosa de Chapare — centro da Bolívia —, onde começa o processo de refino, a partir da colheita da folha de coca. O vegetal é triturado e misturado a cal virgem ou ao cimento e a solventes. A pasta passa por um processo de coagem com ácido sulfúrico, que tira o querosene e outras impurezas. A água ácida restante é adicionada à barrilha, formando a pasta base.
A pasta chega em pequenas quantidades ao Brasil pelos rios Paraguá, Itonamas, Mamoré, Santin Martin, San Joaquim, Mattos e Yacuma, que nascem nas regiões produtoras de coca e deságuam no Rio Guaporé. O tráfico formiguinha usa “mulas” — pessoas contratadas para o transporte, normalmente de baixa renda ou desempregadas — que atravessam a fronteira facilmente. O mesmo acontece por via terrestre, onde o transporte é feito por carros e ônibus interestaduais. Os rios — principalmente o Solimões — também são usados pelos traficantes colombianos e peruanos para levar cocaína daquele país a Manaus e, de lá, para outras regiões.
Pelas estradas bolivianas, o pó sai da Guayaramerín, no estado de Beni, pela BR-425, e Cobija, em Pando, pela BR-317, na fronteira com Rondônia e Acre. Mas o transporte até o Centro-Oeste e Sudeste do Brasil é feito unicamente pela BR-364, que liga a região ao resto do país. O mesmo esquema está em Mato Grosso do Sul, que também recebe a droga da Bolívia, por Corumbá e Porto Murtinho, e em pequenas cidades próximas à Dourados e Ponta Porã, na divisa com o Paraguai. O país vizinho também fornece a cocaína que chega ao Paraná. Em Mato Grosso, os pontos de entrada são municípios próximos à BR-364 e na divisa com a Bolívia.
Outra rota formiguinha leva a droga diretamente de Guayaramerín para Pimenteiras do Oeste, na divisa de Rondônia e Mato Grosso, usando estradas vicinais próximas à cidade de Costa Marques e de Vila de Pedras Negras, no Brasil, ambas às margens do Rio Guaporé. Na região inóspita, de beleza extraordinária, a fiscalização também é precária, apesar de ser cercada por áreas indígenas e de proteção ambiental. Apenas uma guarnição do Exército, em Forte Príncipe da Beira, lembra a presença do Estado na região.
O refino da pasta base hoje é feito no Centro-Oeste e no Sudeste do país, de onde é comandada a distribuição também para o exterior. No mercado interno, fica o pó que entra pelo Acre, que abastece principalmente o Nordeste. Metade da droga que passa por Rondônia segue para os Estados Unidos e para a Europa, e outra parte permanece em território nacional, no Sudeste. No Sul, a cocaína chega do Paraguai, mas também de origem boliviana.
Ao chegar ao Brasil, a pasta é transformada em cocaína base ao passar por outras mudanças. O processo de refino é o mesmo, mas os elementos químicos são outros, como permanganato de potássio e amoníaco, usados para dissolver o pó e tirar as impurezas. É dessa fase que nasce o crack, que se torna pedra a partir do esfriamento da substância, e a merla, que é a pasta molhada, por causa da adição de bicarbornato. A última etapa, quando se chega ao cloridrato de cocaína, também passa pelo mesmo sistema de refino, mas os produtos químicos usados são outros, como éter, acetona e ácido clorídrico, surgindo a droga refinada.

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